Festival de Dança de Londrina 2023

A saga humana segundo o Ballet de Londrina

Companhia oficial da cidade, uma das mais longevas do interior do Brasil, estreia o programa “Humana Natureza”, composto pelos espetáculos “Cinco” e “Bora!”, ambos coreografados por Henrique Rodovalho
Foto: Fábio Alcover

Para comemorar os trinta anos de trabalho ininterrupto e sua trajetória de sucesso, o Ballet de Londrina apresenta pela primeira vez na cidade, neste sábado (14), dentro da programação do Festival de Dança 2023, o programa “Humana Natureza”, composto pelas montagens “Cinco” e “Bora!”, ambas coreografadas por Henrique Rodovalho. Juntos, os dois espetáculos remetem à trajetória da raça humana sobre o planeta, desde a origem da vida a partir dos elementos naturais, no primeiro, até a entrada na civilização e o salto para a virtualidade. O elenco entra em cena às 20 horas, no Teatro Ouro Verde. Em julho, ainda sem esta denominação, as duas peças foram apresentadas como uma première no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, com grande sucesso de público e crítica.

A ideia para o projeto nasceu do fim para o começo. Em 2022, Rodovalho aceitou o convite para coreografar os dez bailarinos e, de suas investigações sobre as relações humanas no nosso tempo, marcadas pela pós-pandemia, surgiu “Bora!”, que considera um de seus espetáculos mais leves e alegres, um chamado para ir adiante – como propõe a interjeição do título. Mas também lança a enigmática pergunta: avançar para onde? Por meio desta aparente contradição, faz um estudo irônico e irreverente sobre o movimento do homem na pós-modernidade – contexto do fim das utopias e das relações líquidas.

Animada pela música eletrônica do compositor japonês Aoki Takamasa e do multiartista português Komet, a coreografia contagia, apresentando-se, em alguns momentos, como uma sequência de fotografias cinéticas que revelam a fragilidade dos afetos no século XXI, entre o desejo de pertencimento e a necessidade de manter a individualidade. É possível identificar o “efeito manada” das redes sociais, que, ao mesmo tempo que garantem o sentimento de integração com grupos de pensamento parecido, é o ambiente da solidão, dos cancelamentos, das bolhas e dos haters.

O cenário, assinado pelo coreógrafo e por Renato Forin Jr., leva ao palco estruturas luminosas que contornam um vazio branco reflexivo. Ele remete à imensidão do espaço virtual, como se os bailarinos dançassem sobre uma grande tela. Num átimo, os limites deste quadro se quebram e os movimentos do elenco contornam os leds, que flutuam em outro não-espaço – o da nuvem. Em contraste à dimensão espacial asséptica, tecnológica, os figurinos de Cássio Brasil, de São Paulo, trazem cores quentes, entre o ocre e o alaranjado, que apelam para a sedução do calor humano. Os cortes e as formas lembram a urbanidade e a juventude.

“Cinco” – Indagar sobre o comportamento humano na contemporaneidade, quando parece haver um aprofundamento radical no estado de civilização, fez Henrique Rodovalho pensar também no extremo oposto, ou seja, nos impulsos que a espécie traria do estado de natureza. Em um segundo convite para coreografar o Ballet de Londrina, em 2023, agora com um elenco mais enxuto, de apenas cinco bailarinos, o artista aborda, então, a origem da vida. Por meio de uma dramaturgia de movimento mais abstrata, o espetáculo perscruta a energia dos quatro elementos naturais – a água, a terra, o fogo e o ar – passando pelas formas animais em evolução até chegar à quintessência humana.

Desde a primeira cena, que explora basicamente o plano baixo, percebemos corpos que se desconstroem para habitar outro estado físico, outra energia, outra forma. Uma bailarina escoa pelo espaço vazio até se integrar aos seus iguais – feito molécula, feito matéria orgânica que procura outra para se tornar complexa, feito gota que deseja ser onda. Progressivamente, a geografia dos corpos ganha novos relevos, conquista o plano alto, e perpassa as demais fases, além da líquida: a aspereza do solo, a pura energia ígnea, a volatilidade aérea. O surgimento do homem a partir da interação alquímica destes elementos é revelado como fotografias de um álbum de família, nostálgico, de um tempo de que já não temos memória, mas que está registrado, como pintura rupestre, na escadaria do DNA.

Há nos movimentos um conceito que subverte a simples sincronia, mas esta aparece ocasionalmente como resultado de ondas de fluidez que levam o espectador a olhar não o corpo individual, mas a massa conjunta que se move – como convém à fase natural, antes da individuação. Um desafio técnico que reverbera a trilha sonora, também sem compasso demarcado, que serve mais como eco sonoro desta paisagem visual.

“Bora!” chega, então, na segunda parte, para esclarecer o estágio no qual viemos parar e para fazer refletir sobre os elos sutis entre o milenar e o contemporâneo: da vida que nasce na água às relações líquidas; da molécula “que diz sim a outra molécula” ao indivíduo que precisa do outro, do grupo, para se integrar; da violência que se faz presente em um e em outro momento. Em “Cinco”, Rodovalho sela nova parceria com Cássio Brasil, que veste o elenco com segundas peles também elementares, em cores frias, orgânicas, concentradas no seu conjunto – numa oposição radical às personas individuais que virão com cores quentes na sequência. Entre as duas coreografias, há um intervalo ativo que deve instigar a curiosidade do público.

O Festival de Dança de Londrina 2023 é uma realização da APD (Associação dos Profissionais de Dança de Londrina e Região Norte do Paraná) e tem patrocínio da Prefeitura Municipal de Londrina / Secretaria Municipal de Cultura, por meio do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura), com apoio institucional da Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Conta ainda com o apoio cultural da Rádio UEL FM.

Ficha Técnica:

Coreografia e desenho de luz: Henrique Rodovalho
Diretor e ensaiador Ballet de Londrina: Marciano Boletti
Assistente de direção e direção de produção: Danieli Pereira
Elenco: Alessandra Menegazzo, Ariela Pauli, Higor Vargas, Ione Queiroz, José Villaça, Matheus Nemoto, Nayara Stanganelli, Peter Levi, Viviane Terrenta e Wesley Silva
Cenografia: Henrique Rodovalho e Renato Forin Jr.
Figurino: Cássio Brasil
Assessoria de comunicação e textos: Renato Forin Jr.
Mídias sociais: Maria Eduarda Oliveira
Fotos: Fábio Alcover
Videomaker: Arthur Ribeiro
Técnicos: Ricardo Grings e Marcos Martins
Realização: FUNCART – Fundação Cultura Artística de Londrina e Secretaria de Cultura/Prefeitura Municipal de Londrina

A FUNCART é uma instituição privada sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública municipal pela lei 6592/24/05/06, que atua nos setores da cultura e assistência social e é parceira da prefeitura de Londrina desde 1993.

Serviço:
“Humana Natureza” (Cinco e Bora!) – Ballet de Londrina (Londrina-PR)

Dia: 14 de outubro (sábado)
Horário: 20 horas
Local: Teatro Ouro Verde (R. Maranhão, 85)
Classificação indicativa: Livre

Ingressos para os espetáculos: R$20 e R$10 (meia-entrada)
Vendas Online:  sympla.com.br/festivaldedancadelondrina
Vendas presenciais: Teatro Ouro Verde (Rua Maranhão, 85)
Horário de funcionamento: das 16 horas até o início do espetáculo